quinta-feira, 22 de julho de 2010

Giambattista Vico

Giambattista Vico (1668 -1744). A idéia é a (filosofia), o fato é a filologia. Idéia e fato ou filosofia e filologia devem se compenetrar, não a filosofia fora do fato ou o fato fora da filosofia, as duas vertentes são indissociáveis. O homem como ele deve ser não pode estar dissociado do homem como ele efetivamente é ou tem sido. A ordem das idéias deve proceder segundo a ordem das coisas. Trata-se de um princípio que é transposto da ordem lógica para a ordem histórica. A filosofia deve se encontrar no processo histórico e o processo histórico envolvido na filosofia. Conciliação entre a idéia e o fato, entre a filosofia e a filologia deve predominar.
Sem a filologia, a filosofia é vazia; e, sem a filosofia, a filologia é cega. Não se trata de uma justaposição de duas atividades separadas, que se deve conjugar depois que cada uma se desenvolveu por sua própria conta, mas sim de ima interação constante, razão peal qual não é concebível a filosofia sem a filologia e a filologia sem a filosofia.
Não existem fatos brutos, neutros, privados de implicações teóricas.
Os filólogos são todos os gramáticos, historiadores e críticos que se ocupam da cognição das línguas e dos fatos dos povos, tanto em casa, como é o caso dos costumes e das leis, como fora, como é o caso das guerras, da paz, das alianças, das viagens, dos negócios. A filologia é tudo o que foi produzido nas comunidades humanas, dos costumes às instituições religiosas e civis. Os fatos seriam incompletos se não fossem sustentados na filosofia, ou seja, se não fosse guiada por um projeto teórico verdadeiro. O verdadeiro é a idéia (filosofia), o certo é o fato (filologia).
A união entre filosofia e filologia nos permite ver a história não mais com um mundo caótico e informe, mas sim como uma série de acontecimentos através dos quais os homens realizaram seus ideais.
A filosofia se ocupa diretamente do mundo ideal e o seu objetivo é a necessidade ideal que orientou os primeiros passos incertos dos homens primitivos e depois se impôs lentamente. A filosofia transcende o ser humano e opera através do ser humano. O ser humano é o germe das idéias verdadeiras.
O ser humano pode ter agido e agir atualmente de formas destrutivas, mas no percurso histórico ele caminha em direção à justiça, à beleza ou a verdade, dominando os seus instintos e paixões. Como explicar esse itinerário em direção à justiça, à beleza ou à verdade, que mesmo trabalhosa e parcialmente foram emergindo na história primitiva, se não virmos no homem os germes das idéias verdadeiras. Como explicar tal orientação, dos primórdios até nossos dias, privando a razão dessa “luz eterna”?
Não se pode explicar completamente a história quando se afirma que a moralidade se baseia na opinião, o direito na força e o nascimento da sociedade na utilidade, como pretendem muitas pessoas.
A explicação da história somente é possível se compreendermos que a Filosofia é a idéia ideal e sua incidência na mente humana transformando em acontecimentos e criando tradição. Para ter uma explicação satisfatória de um fato histórico é preciso reconstruir a gênese ou as condições que lhes permitiram o nascimento e indicar as modificações provocadas sobre os mesmos homens que são seus atores.
O mundo civil foi feito pelos homens e seus princípios são encontrados dentro da mente humana. O ser humano é, portanto, o protagonista da história. Ele cria as instituições e estas retroagem sobre o ser humano que as criou. Esse é o caminho através do qual as potencialidades ocultas e germes de idealidades superiores se afirmam lentamente, antes que o homem se dê conta. Assim, a história não amadurece contra o homem ou apesar dele, mas é o lugar no qual necessidades recônditas, inscritas em sua natureza, emergem e se impõem à sua atenção e ao seu espírito, que desse modo se amplia e afina.
Este mundo, sem dúvida, saiu de uma mente diferente e, às vezes, totalmente contrária e sempre superior aos fins particulares que os homens se haviam proposto.
O ser humano muda no tempo e, com ele, tudo o que por ele é produzido. As instituições mudam em concomitância com o pensamento humano, mas esse pensamento e, consequentemente, as instituições que dele dependem, mudam à medida que a própria natureza humana sofre um processo de desenvolvimento. Assim, da natureza humana e o desenvolvimento das instituições são aspectos mutuamente condicionantes de um único processo histórico.
Por meio de tortuosos caminhos a consciência humana se clarifica e se afirma. Somente ao cabo de um longo caminho é que o homem percebe de que germe estava dotado a sua natureza. Inicialmente os homens sentem sem perceber, depois começam a perceber que seus pensamentos e idéias possuem origens em idealidades superiores.
A história dos seres humanos é dividida em três épocas: época dos deuses, época dos heróis e época dos homens.
A primeira (deuses) começa com homens estúpidos, insensatos e horríveis animais, cuja natureza é marcada pela prevalência dos sentidos, desprovida de qualquer poder de reflexão. O mundo somente existe e interessa à medida que repercute em nós. Além da época dos sentidos essa é também a época dos deuses, pelo fato de que os seres humanos identificavam os fenômenos da natureza com divindades. Os primitivos homens que falavam por sinais, por sua natureza consideravam os raios e trovões como sinais dos deuses. Os primeiros governos foram divinos, que os gregos chamaram teocráticos, nos quais os homens acreditaram que tudo era comandado pelos deuses. Governos teocráticos ou monásticos fundaram na autoridade paterna como representante da autoridade divina, criaram uma legislação ou direito também divino, no sentido de que as leis eram impostas como expressão da vontade dos deuses.
A segunda (heróis) época é a dos heróis: Para manter a vida interna sob governo e preparar-se para conflitos com eventuais tribos rivais, foi elaborado o direito heróico, ou seja, baseado na força. Trata-se de uma estrutura social baseada na autoridade, indiscutida e indiscutível, porque expressa a vontade dos deuses. Época onde não se cultiva em absoluto o luxo e as comodidades; onde as repúblicas são fortíssimas, aristocráticas por natureza ou tão naturalmente fortes que restringem aos poucos chefes nobres todas as honras civis.
A terceira (razão) é a época da razão: com o passar dos anos, cada vez mais se ampliando as mentes humanas, as plebes dos povos se desacreditaram finalmente da vaidade de tal heroísmo e se julgaram serem seres de igual natureza humana que os nobres, razão por que também eles quiseram ingressar nas ordens civis das cidades. Surgem as lutas entre patrícios e plebeus, das quais e junto com as quais se desenvolveram o debate, a retórica e a filosofia. Essa época os homens alcançam finalmente a consciência crítica daquela sabedoria percebida nas épocas anteriores. O direito também humano, ditado pela razão humana, ao passo que os governos são humanos. Todos se igualam com as leis, de modo que todos nascem livres em suas cidades.
Embora dominados por paixões violentas e por uma robusta fantasia, os primeiros homens desencadearam o nascimento da grande cidade do gênero humano. Embora sendo animais, tornaram-se posteriormente sempre mais humanos. Com explicar tudo isso sem pressupor nos homens, os germes de um mundo ideal.
Excluindo-se o destino, que não explica a liberdade, e o acaso, que não explica a ordem, é preciso admitir uma mente divina como artífice desse projeto.
Desde os primórdios, os homens percebem a presença desse projeto ideal, que se esclarece à medida que transcorrem os séculos. A época dos deuses e, depois, a época dos heróis expressam esse sentimento espontâneo da ação providencial. Trata-se de um sentir que já participa da verdade, caso contrário não se transformaria em um saber consciente.
A providência age nos homens através daquele projeto ideal, que não é obra dos homens ou fruto da história. Ele nunca é completamente entendido, porque está nos homens, mas não foi criado pelos homens, está na história, mas não faz história.
Os ideais de justiça, de bondade e de verdade se realizam ou são esmagados, são propostos ou traídos na história, mas não estão à mercê dos homens e tampouco a mercê da história. Mesmo vivendo sob a sua influência, o homem não se torna o seu senhor, porque eles possuem os homens, mas não são possuídos pelos homens.
O sentido da história está na história e, ao mesmo tempo, fora da história, como o projeto ideal que fermenta o tempo sem se dissolver nele. E como o homem tem primeiro um vago pressentimento e depois uma consciência mais lúcida, pode-se dizer que os efeitos das ações vão sempre além da intencionalidade explícita dos homens. O homem faz mais do que sabe e, frequentemente, não sabe aquilo que faz.
A obra da Providência é universal, mas não como coisa necessária. Os homens mantêm sua liberdade e responsabilidade, podendo tanto se manter fiéis ao projeto ideal eterno como traí-lo. Muitas nações desapareceram antes de alcançar o estágio de maturidade e algumas perseguem o ideal. A lei das recaídas históricas ou das quedas não é uma lei universal e muito menos necessária. A lei das recaídas é uma possibilidade objetiva, no sentido de que dadas certas condições, se recai na barbárie e nos cabe o dever de retomar o caminho.
A recaída se verifica quando o domínio da razão é tal que cai na abstração, na sofisticação e, portanto, progressiva esterilização do saber, não estando mais em condições de se alimentar nas fontes profundas e remotas do projeto ideal. A perda da memória do passado cria um homem sem raízes e sem seiva vital. O pensamento e a ração tornam-se estéreis a partir do desligamento das fontes inconscientes da imaginação.
A história não é uma espécie de desenvolvimento unilinear e progressivo, onde não há erro, mal ou decadência, não é uma galopada direta, sem possibilidade de paradas ou retornos; da mesma forma, a razão também não é uma força destinada ao triunfo, porque tanto uma como a outra podem se deteriorar e estagnar, recaindo em uma espécie de nova barbárie e de mais refinada violência.
Na corrupção e decadência se faz sentir a presença insuprimível do projeto ideal eterno, através do qual opera a Providência, impelindo os homens a retornarem a caminhada. Se assim não fosse, nenhum povo teria sobrevivido e todos estariam destinados a desaparecer. Por isso é impossível existir nações no mundo sem qualquer cognição de Deus.

sábado, 17 de julho de 2010

Blaise Pascal

Blaise Pascal (1623 – 1662). O ser humano através do pensamento possui consciência que é um ser miserável, pois não consegue vencer a morte, a miséria, a ignorância e vencer também a sua fraqueza perante a natureza. Através do pensamento sabe que morre e sabe da superioridade da natureza sobre ele; já a natureza, ao contrário, não sabe nada, pois o universo não pensa; uma árvore não sabe que é miserável, assim sendo, a grandeza do homem equivale a conhecer a sua miserabilidade. A miséria do ser humano se aprofunda a partir do momento em que deseja viver uma vida baseada nos conceitos dos outros e por isso se embeleza e agrada as outras pessoas, esquecendo do verdadeiro ser. O ser humano é tão presunçoso que gosta de ser conhecido de toda a terra, como também por aqueles que viverão quando a morte o tiver eliminado; o ser humano é tão vaidoso que a estima de poucas pessoas já basta para alegrá-lo e o deixar contente. O ser humano navega em um vasto mar, sempre incerto e instáveis atirado de um lado para outro e desejando ardentemente encontrar um alicerce e uma base sólida para edificar uma torre que se erga até o infinito, mas seu fundamento se dissolve e a terra se abre em abismos. O ser humano diante de sua miserabilidade decide não pensar nelas para não ficar infeliz e se entrega a futilidade das diversões, que é uma fuga diante da visão lúcida da miséria humana. A única coisa que consola a miséria humana é a diversão, e, no entanto, essa é a maior de sua miséria, pois, ela impede o ser humano de pensar em si próprio levando-o inadvertidamente à perdição. Sem a diversão, o ser humano fica entediado e esse tédio o impele a procurar um meio mais sólido para sair disto, mas, a diversão o distrai, fazendo-o chegar inadvertidamente à morte. O homem vive sempre ocupado ou entregue à diversão, com medo de ficar só consigo mesmo, de olhar para dentro de si, ele tem medo de sua própria miséria. Toda a infelicidade do ser humano provém de não saber ficar tranqüilo em um aposento.
O ser humano, sozinho, com suas próprias forças, só consegue compreender que é um monstro incompreensível; sozinho, não consegue criar valores válidos e nem encontrar um sentido estável e verdadeiro da existência. Diante da miserabilidade humana o ser humano se tornou indigno para compreender Deus. Diante da miserabilidade humana surge a graça divina onde Deus se revela. As obras não são suficientes para obter a salvação sem uma intervenção eficaz da graça divina. A mente humana é muito fraca para levar o ser humano à salvação através dos seus próprios esforços. O ser humano só pode alcançar a salvação quando levado pela força onipotente e sobrenatural de Deus que é a graça. É preciso tornar-se disponível para receber a graça e a graça é necessária, porque a queda e a nossa natureza corrupta torna o ser humano indigno de Deus. É Deus que se revela através da graça.
Em matéria referente aos sentidos, aos fatos e objetos o raciocínio é a autoridade, somente a razão tem condições de conhecer o mundo objetivo. As verdades obtidas pela razão são progressivas e são resultados da engenhosidade humana de provas racionais e de experimentos. Não querer aceitar novas verdades no âmbito da razão é uma atitude irracional, que ocasiona a paralisação do progresso. Os segredos da natureza estão ocultos e as experiências que nos fazem conhecê-los se multiplicam continuamente. Proibir as novidades científicas é tratar indignamente a razão do homem e colocá-lo ao nível dos animais. O progresso da humanidade quanto mais envelhece, mais progride. Para não permanecermos no ponto a que os antigos chegaram, devemos ir adiante, sem achar de modo algum que o progresso do conhecimento seja uma ofensa que fazemos contra os antigos. O saber científico é autônomo e deve estar em expansão. O ser humano utilizando os sentidos e a razão para o desenvolvimento material deve possuir consciência que eles podem nos encanar dando-nos falsas aparências. A razão e os sentidos não somente carecem de sinceridade, mas também se enganam mutuamente. A racionalidade humana existe para ser empregada na compreensão das coisas materiais e a razão humana é incapaz de alcançar a compreensão do que seja o homem em sua totalidade.
Em síntese existem dois caminhos paralelos: o caminho da salvação com a graça divina e o caminho do desenvolvimento científico utilizando a razão. Dois caminhos, um buscando Deus e outro buscando a modernidade no mundo.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Cornelius Otto Jansênius

Cornelius Otto Jansênius (1583 – 1638). A razão é inútil ou danosa para a fé, tanto que Cristo quis encerrar nos porões de tal santa ignorância o excessivo desejo de saber com que se perturbam os filhos da Igreja. Cristo nunca objetivou nos tornar eruditos, mas apenas nos dar a simples cognição da verdade divina, cujas raízes, isto é, estão ocultas em um lugar mais profundo e inacessível à agudeza de nossa investigação. Em matéria de fé, a razão é rejeitada sendo preciso referir-se à memória da tradição. É na tradição, primeiro dentre todos os antigos Padres, trouxe à luz com incrível profundidade e penetração todas as conclusões da graça, que até agora permanecera como que oculta na fé dos cristãos. As cinco proposições defendidas pro Jansênio: 1) alguns preceitos de Deus são impossíveis para os justos, mesmo que os queiram e se esforcem com todas as forças que têm na presente natureza, porque lhes falta a graça que os torna possíveis; 2) não se resiste nunca à graça interior, no estado de natureza decaída; 3) para granjear mérito ou demérito, não se requer a liberdade da necessidade interior, mas somente a liberdade de coação exterior; 4) necessidade da graça e não concediam à vontade humana o poder de resistir ou obedecer à graça; 5) é um erro afirmar que cristo morreu por todos. Sustentava que Adão, antes de pecar era livre; pelo pecado perdeu a liberdade e tornou-se escravo da concupiscência, que o arrastou para o mal.

Pierre Gassendi

Pierre Gassendi (1592 – 1655). É evidente que todo conhecimento que existe em nós é próprio dos sentidos ou deriva dos sentidos; por conseguinte, parece igualmente certo que não se pode pronunciar juízo algum sobre qualquer coisa sem o testemunho dos sentidos. Nós não podemos conhecer as essências das coisas, e não podemos conhecê-las porque não conseguiremos construí-las ou reconstruí-las. Assim como o animal não conhece o relógio porque não está em condições de construí-lo, da mesma forma o home não conhece as essências das coisas, que só Deus conhece porque as criou. A experiência não consiste em um caótico aparecer fenomênico e não é uma imediaticidade passiva de dados sensoriais, mas sim uma construção da razão, que elabora os dados sensoriais. É possível chegar a falar de alma imaterial e da existência de Deus quando sabemos ler os sinais que a realidade coloca diante de nós. O homem é caracterizado pela atividade racional, mas essa atividade consiste em operações não-corpóreas, de modo que existe a alma como entidade espiritual e também existe Deus: é a partir da ordem do universo que inferimos a sua existência, já que não há ordem sem ordenador. Os átomos foram criados por Deus e destruídos por Deus, a força que gera o movimento deve-se a Deus, o universo é uma realidade governada por Deus e admite além da alma corpórea vegetativa e sensível, admite também uma alma intelectiva incorpórea e imortal.